"A cozinha é o meu lugar seguro, só me vejo ali"

Anda pelos fogões das cozinhas de Quique Dacosta há mais de uma década. Começou pelo Vuelve Carolina, em Valência, sem tê-lo tomado como um sinal para volver a casa, ao contrário da sua família, no México. A primeira experiência na alta cozinha levou-a até ao El Poblet, na mesma região espanhola e do mesmo universo de Quique, onde mesmo antes de ganhar a primeira estrela — sem saber que aí vinha — esteve prestes a desistir graças ao trabalho exigente e à falta de paciência necessária e que, afirma, ainda não tinha. Ao Quique Dacosta, em Denia, Alicante, chegou há cinco anos, já as três estrelas tinham sido alcançadas, mas o trabalho por mantê-las continuava, com o estrelado chef espanhol a dar-lhe as rédeas. Aos 36 anos, a chef mexicana Carolina Alvaréz passou metade da vida de jaleca vestida numa cozinha onde, mais do que cozinhar, provoca emoções.
Neste percurso, foi distinguida em 2024 como Melhor Chef de Cozinha do Ano pela Real Academia de Gastronomía da Comunidade Valenciana, consolidando o seu lugar como uma das figuras femininas mais influentes da cena gastronómica internacional. Acredita que as mulheres se “encaixam muito bem” no mundo do fine dining, uma vez que são muito boas a adaptarem-se a diferentes situações. No entanto, é o medo e os limites que impõem a elas mesmas que não as deixa dar o salto: “Acho que temos de ser mais ousadas”, defende. Nunca se sentiu discriminada pelos seus colegas de profissão por ser mulher — “mais por ser jovem” — ao contrário do que, reconhece, acontecia na velha escola. É essa escola que a sua geração tem deixado para trás, na procura por uma melhor qualidade de trabalho e de vida. Fala sobre uma revolução para uma mudança na cozinha, “para que haja mais humanidade e uma escola melhor” que ensine as pessoas sem severas repreensões. Mudaram o chip, acredita, rejeitando a ideia de que quem trabalha em fine dining vive no restaurante.
A exigência da cozinha transborda para a sua vida pessoal; comer é a sua atividade favorita, assim como cozinhar para amigos; o melhor elogio que lhe podem dar é desfrutar dos pratos que cozinha; está sempre a pensar em comida, vive para comer e a sua vida gira à volta da comida. Para o futuro, quer continuar a fazer aquilo que gosta e estar apaixonada pelo mundo da gastronomia. Quanto às estrelas, não há que viver para elas, mas estas vivem com ela: tatuadas nos seus dedos da mão esquerda. “Ainda me faltam preencher seis”, afirma.
No final do mês de abril, deixou os seus colegas em Denia e veio até Lisboa para se juntar a João Sá, num jantar a quatro mãos no Sála, com uma estrela Michelin. O convite foi feito sem hesitar e com todo o apoio de Quique: “És a melhor representante daquilo que fazemos”, recorda as palavras do chef espanhol. Por cá, descobriu que, ao contrário de Espanha, os coentros fazem parte do receituário português, uma das semelhanças que identifica com o seu país, o México. Por lá, tem nos seus planos cozinhar na sua cidade Natal, Monterrey, mas primeiro há que convidar os pais a virem provar o novo menu em Denia: Oitavo, a gastronomia enquanto oitava arte.

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
Como é ser mulher num universo tão masculino como a restauração? Bem, no início é um pouco complicado, mas não difícil, porque é claro que é um trabalho muito físico. Por isso, muitas vezes acabas por te limitar em termos de, por exemplo, carregar coisas muito pesadas; temos de carregar equipamentos. Mas penso que as mulheres são muito boas a adaptarem-se a diferentes situações. Penso que dá a impressão de que talvez não seja um mundo feito para nós mas nós encaixamos muito bem nele.
Trabalha com muitas mulheres? Sim, tento que a equipa seja um pouco 50-50, é necessário.
Mas nunca se sentiu discriminada por ser mulher? Ou por ser uma mulher jovem? Mais por ser jovem do que por ser mulher. Quando era mais nova, sim, talvez as posições de relevo fossem um bocadinho… mas eu era muito nova. E por ser mulher muito raramente, mas muito raramente.
Isso é bom. Sim, e talvez até acontecesse mais com fornecedores do que por colegas de trabalho, por exemplo. Sentir-me discriminada. Por exemplo, chega um fornecedor de peixe ou de carne e diz-me: “Olá, bonita. O teu chefe está?” Primeiro, sou Carolina, não sou “bonita”, e quanto ao meu chefe, o que é que necessitas? Sou eu quem manda. Queres vender? Já começaste mal. Acontece mais com este tipo de pessoas do que com colegas. Ou seja, com colegas, antes talvez sim, na velha escola, mas agora não. Agora acho que não se olha tanto para se és mulher ou homem.
O que acha do panorâmico gastronómico em Portugal? Em Portugal, bem, acho que se está a destacar muito. Se calhar, visto de fora, não tinha tanta visibilidade antes, não é? Os restaurantes gastronómicos, a cozinha tradicional portuguesa também. E acho que está a ficar cada vez mais popular, a boa cozinha portuguesa está a ser exportada para que as pessoas a conheçam e depois venham procurá-la.
Acompanha as estrelas de Portugal? Este ano tivemos a primeira mulher chef com uma estrela em 20 anos, a Marlene. Depois de 20 anos, a primeira estrela Michelin para uma mulher? Uau. Ainda ontem falávamos com o João [Sá] sobre como são poucas as mulheres que lideram os seus próprios restaurantes. Somos poucas. E talvez seja porque muitas vezes nós mulheres damos prioridade a outras coisas antes de nos lançarmos nos nossos projetos pessoais. E muitas vezes somos deixadas em segunda fila. E penso que é importante darmos a nós próprias o valor de acreditar que somos capazes de liderar projetos.
"Há pessoas que cometem o erro [de viver para os guias]. Eu conheço cozinheiros que querem, querem e querem e eu digo: 'Queres ganhar? Continua a fazer bem o teu trabalho, não vivas para ele'”
Chef Carolina Alvaréz
Como foi aceitar o convite do chef João Sá? Eu conheci o João através de um rapaz que esteve connosco num estágio e que no ano passado nos apresentou na San Sebastián Gastronomika. E ele falou-me do projeto que tinham. E também ao falar com a Vicky Sevilla do Arrels, ela disse-me que eles tinham estado aqui, que tinham sido muito felizes. O João disse-me que gostava muito que eu viesse, e eu gosto porque eles dão-nos visibilidade. Muitas vezes, como eu trabalho com o Quique, acaba por ser sempre, bem, Quique, certo? Mas o Quique sempre me deu muita liberdade e sempre me apoiou em tudo o que eu quis fazer. Quando lhe disse que me tinham convidado para cozinhar com o João em Lisboa, porque queriam dar visibilidade às mulheres chefs na cozinha, ele disse-me: “Claro que sim. Vês como é necessário que também tenham outras pessoas, nem sempre sou eu. E tu lideras uma cozinha há muitos anos e és a melhor representante daquilo que fazemos”.
Já tinha estado em Portugal? Sim, a primeira vez que vim a Portugal foi em 2016, viemos cozinhar. E também cozinhámos com o chef José Avillez no Belcanto, fizemos um quatro mãos. Vim com o Quique e, pronto, apaixonei-me pela cidade. Acho que transmite uma magia diferente.
Vê semelhanças entre a cozinha mexicana e a portuguesa? Ontem estivemos a comer no Ramiro e utilizam coentros. O João contou-nos que aqui se utiliza bastante coentros no sul e surpreendeu-me muito porque em Espanha, na cozinha tradicional, os coentros primam pela ausência, não estão no receituário culinário. Mas no México, sim, é muito cozinhado. E, por exemplo, o marisco cozinhado com coentros faz-me lembrar a minha casa, o México. E surpreendeu-me muito.
Quais são os desafios de trabalhar num três estrelas? Temos de manter o nível de qualidade máximo então acabas por habituar-te a que tudo aquilo que fazes tens de fazê-lo bem. E isso faz com que o teu nível de exigência seja sempre o máximo. Há stress mas acho que lidamos muito bem com isso. Há um bom ambiente na cozinha. Somos mais do que uma equipa, somos uma família, é importante que haja um bom ambiente e que as pessoas façam as coisas com vontade, porque depois transmite-se. E, claro, isso faz com o que trabalho corra melhor. Trata-se de estar apaixonado pelo que fazemos para o podermos transmitir. E, claro, sem perder a humanidade, mas com o mais alto nível de exigência.
Tem esse nível de exigência na sua vida pessoal? Sim, no final extrapola-se para tudo, não é? Quando fazes alguma coisa, tentas sempre dar o teu melhor. Aprendes a organizar-te em todos os aspetos. Sim, acabas por implementá-lo na tua vida.
E sente que vive mais para o restaurante por ter três estrelas? No fim de contas acho que, por gostar tanto do que faço, não me custa. Por isso, é fácil estar lá talvez mais tempo do que devia. Mas porque faz parte da minha paixão.
É a sua vida. Sim sim, adoro. A minha vida gira à volta da comida. Estou a comer a pensar no que vou jantar, vou de férias e estou a pensar onde vou comer. Por isso, no fim de contas, faz parte do meu ADN, não é? Por isso, não me vejo em mais lado nenhum a não ser numa cozinha. A minha terapeuta perguntou-me: “Qual é o teu lugar seguro?” E eu respondi que era a minha cozinha. É o meu lugar seguro porque, no fim de contas, é onde me sinto como um peixe na água. É a minha natureza estar ali.
"É um trabalho muito complicado porque numa cozinha tu sabes o que tens de fazer. Tens 50 clientes, tens um menu e sabes o que tens de preparar. No estúdio de criatividade não. Eu gosto muito mas é difícil. É mais simples, talvez, fazer funcionar uma cozinha, ainda que envolva outras coisas."
Chef Carolina Alvaréz
É um erro viver para os guias gastronómicos? Há pessoas que cometem esse erro. Eu conheço cozinheiros que querem, querem e querem e eu digo: “Queres ganhar? Continua a fazer bem o teu trabalho, não vivas para ele”. Porque se não te dão [a estrela], pelo que quer que seja, ficas desanimado. Então eu acho que as pessoas têm de pensar que, quando tem de chegar, chega. Sim, tens de te esforçar mas não viver para ela.
Como foi quando ganharam a terceira? Eu estava a trabalhar no El Poblet quando deram a terceira ao Denia. Demorou muito. Antigamente demoravam mais a dar-te a estrela. Eles tiveram a primeira em 2001, a segunda em 2007 e a terceira em 2012. Demorou muito mas foi uma festa. Acabámos com todo o champanhe do restaurante.
Há uma responsabilidade maior. Claro, e mais estando em Denia. Quando ganhámos a primeira no El Poblet acho que foi um dos dias mais felizes da minha vida. Trabalhámos muito e esse ano foi muito duro. Eu estive quase para deixar a cozinha porque era muito exigente, muito trabalho. Já tinha trabalhado em restaurantes mas eram de comida tradicional e agora ter de afinar, ter essa paciência, eu não a tinha. Mas depois deram-nos a estrela e foi como que “uau valeu a pena”.
Fale-me da sala criativa. O estúdio de criatividade, ou a cozinha criativa, é uma cozinha que está anexada ao restaurante. Nós somos um restaurante de vanguarda então, antigamente, quando o restaurante começou a revolucionar para ser o que é hoje, na mesma cozinha faziam-se os pratos novos. Mas tivemos de desenvolver uma cozinha anexada para que se dediquem 100% à criatividade. Porque as pessoas vêm à procura de inovação. Por isso, têm de ter um espaço dedicado a isso, porque dá muito trabalho mudar uma ementa inteira de um ano para o outro, e desenvolver técnicas diferentes. É um trabalho muito complicado porque numa cozinha tu sabes o que tens de fazer. Tens 50 clientes, tens um menu e sabes o que tens de preparar. No estúdio de criatividade não. Temos de inventar coisas novas então temos de criar o nosso próprio sistema de trabalho. É muito frustrante porque não te ensinam isso. Na escola de cozinha ensinam-te a cortar, a fazer uma lista de mise en place mas não te ensinar a inventar.

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
É um trabalho muito frustrante porque é tentativa erro e muitas das tentativas não saem. Ou muitas vezes fazes algo e fica perfeito e queres repetir e já não sai. É complicado. Eu estive a trabalhar nessa cozinha de criatividade durante quatro anos e é criar um sistema de trabalho e tens que obrigar-te a produzir o teu próprio trabalho. O que é que vou fazer hoje? Não sei. E como no nosso restaurantes tudo o que se cria nesse estúdio passa para a cozinha tem de estar tão exato para que o possas replicar sem que haja uma modificação. Então, quando já o provaste mil vezes e já odeias esse prato é quando sai para o restaurante e é como “já o fiz mil vezes, não o quero replicar mais”. Mas claro, tem de ser assim para que seja sempre perfeito.
Mas gosta desse lado criativo? Sim, é muito interessante. Eu gosto muito mas é difícil. É mais simples, talvez, fazer funcionar uma cozinha, ainda que envolva outras coisas. Porque, por exemplo, eu levo uma cozinha na qual há 25 a 30 pessoas a meu encargo. Então, é claro que é preciso lidar muito com o pessoal, verificar tudo. É completamente diferente. São dois mundos completamente diferentes, mas têm de comunicar um com o outro para que haja fluidez.
Em 2024, numa entrevista ao Food & Wine, disse que o seu sonho era cozinhar no seu país. Continua a ter esse sonho? Sim e já cozinhámos. Estivemos a cozinhar em Quintonil, en Le chique. Gostava de cozinhar em Monterrey, que é a minha cidade, está dentro dos meus planos. Espero poder fazê-lo no próximo ano quando tiver férias. Porque, claro, é a minha casa e gostava que vissem aquilo que fazemos em Denia.
Quando veio para Espanha foi trabalhar para o Vuelve Carolina. Comecei num restaurante de cozinha tradicional e depois fui para o Vuelve Carolina. Bem, talvez mais como um começo na alta cozinha, porque eu nunca tinha tocado na alta cozinha antes. Vuelve Carolina e no El Poblet, que era a mesma cozinha. No El Poblet ganhámos a nossa primeira estrela Michelin. Eu tenho quatro [tatuadas] e perguntam-me sempre porque é que tenho quatro. São as três de Denia e a de El Poblet, quando ganhámos a primeira estrela Michelin.
Não achou que o Vuelve Carolina era um sinal para voltar para casa? A minha mãe pensou, claro, Vuelve Carolina. E perguntou-me: “vais voltar?” E eu: “não, vou ficar.”


▲ Carolina Alvaréz tem quatro estrelas Michelin tatuadas nos dedos da mão esquerda. Representam a estrela do El Poblet e as três do Quique Dacosta
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
Quer preencher todos os dedos? Porque não? Seria um bom objetivo. Ainda me faltam preencher seis. Dois restaurantes de três estrelas Michelin.
Porquê na mão? Diziam-me que as tatuagens nos dedos eram um ‘não’ porque borravam. A sério? Até que um dia disse “não quero saber”, e fiz.
Um dos seus sonhos é ter o seu próprio restaurante? Bem, não sei. Com o Quique já tenho 13 anos de trabalho, vou para 14 anos. É claro que já passei por todas as diferentes áreas. Comecei como ajudante de cozinha, depois chef assistente, subchef, no estúdio criativo, como chef de cozinha, claro. Quando comecei o meu primeiro ano foi depois da pandemia. Por isso, foi um pouco difícil porque tivemos de aprender a fazer tudo de novo. Mudou muita coisa. Agora sou chef de cozinha há cinco anos mas continuo a aprender todos os dias. Por isso, acho que enquanto continuar a aprender não me vou cansar, certo? Não me vou cansar. Talvez combinar isto com outras coisas também seja uma possibilidade. Mas o meu trabalho também requer muita concentração, por isso é difícil.
Como é trabalhar com o Quique? A verdade é que estou muito feliz, são muitos anos a trabalhar juntos. Sempre me deu muita liberdade. No dia em que cheguei a chef de cozinha disse-me para levá-la como quisesse. É uma pessoa muito exigente, claro, senão não estaria onde está mas confia muito na sua equipa então estamos contentes. E isso faz-nos querer fazer mais coisas. Porque nos dão liberdade. E sempre me deu muito apoio.


▲ Carolina Alvaréz a trabalhar com Quique Dacosta
Do menu atual, há algum prato que seja da sua autoria? No final das contas é um pouco uma colaboração. Como eu lido diretamente com os fornecedores dizem-me os produtos e as coisas novas que têm e eu transmito isso ao chef de criatividade. “Falaram-me destes produtos, provei estes, se calhar interessa-te aquele”, por exemplo. E depois, quando as coisas começam a encaixar, talvez a partir de uma técnica, a partir de um produto, é uma cozinha muito conceptual e é uma colaboração de várias pessoas, incluindo o Quique, porque o Quique também experimenta todos os pratos e tem sempre qualquer coisa a dizer ou uma ideia. Mas é um trabalho de equipa.
Há algum produto ou ingrediente que queira experimentar num prato e que ainda não o tenha feito? Acho que tive a oportunidade de experimentar um monte de coisas. Por exemplo, aqui há uns anos tivemos um fornecedor que trouxe hoja santa, um ingrediente mexicano, e começou a plantá-la em Espanha. Fizemos um prato com ele e pusemos no menu. Por isso, acima de tudo, é experimentar coisas novas. Ou utilizar coisas que são normalmente utilizadas, mas dando-lhes uma reviravolta. Acima de tudo, trabalhamos com produtos humildes. Por exemplo, o tomate. Um dos pratos que vamos fazer para o jantar é uma rodela de tomate. Claro que é fácil cozinhar qualquer coisa com um camarão vermelho de Denia, é um produto muito bom, não pode correr mal. É fácil fazer qualquer coisa com um produto caro, um bom produto, mas com um produto tão humilde como o tomate, dar-lhe esse valor é o que eu acho que torna a cozinha especial, experimentar coisas humildes ou coisas que têm pouco valor para lhes dar o valor que achamos que merecem.
O que é que trouxe do México para o restaurante? Picantes, por exemplo. Malagueta, chiles, milho, acho que um pouco de tudo. E depois descobre-se que temos muitas semelhanças, por exemplo, em Denia há um prato que é feito com milho, é uma espécie de taco. No México usa-se muito milho, mas claro, quando cá cheguei não sabia que também se usava, é diferente.
Algum ingrediente do México que não tenha cá e sinta falta? O milho, ou seja, o milho mexicano. Cada vez que vou ao México trago tortilhas de milho e milho para fazer nixtamal. Claro que cada vez mais vai havendo produto mexicano trazido do México para a Europa, e com qualidade, então fica mais simples mas quando cá cheguei não encontrava abacate ou coentros no supermercado. Estou cá há 18 anos e quando queria coentros tinha de ir buscar a quem vendesse. Não sabia que havia cá em Portugal, ontem é que me apercebi que é tradicional.
Prato favorito? No ano passado vim cá e comi um prato de grão de bico com bacalhau que foi o mais saboroso que comi na minha vida. Foi no Zé da Mouraria. Fui com o meu irmão e acho que nunca comi uns grãos tão bons na minha vida, estavam tão bem cozinhados, e tinham coentros. O meu prato favorito de todos é bullit de peix, uma caldeirada de peixe. O peixe e cozinhado em caldo e misturado com aioli, uma maionese de alho, e depois fazem um arroz com o caldo em que o peixe foi cozinhado. É o meu preferido. Muito típico das Ilhas Baleares, Ibiza, Maiorca.
Algum prato que quando come a transporta para o México? Talvez os típicos caldos. O puchero espanhol, que é um caldo com carne e verduras. É muito casa.

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
Como descreve o seu tipo de cozinha? Aquela em que me dou melhor é a cozinha de vanguarda. O menu deste ano, por exemplo, chama-se Oitavo porque queremos reinventar a cozinha que fazemos como outra arte. A oitava arte. Então, acho que fazemos mais do que cozinhar, provocamos emoções. É a cozinha que mais me representa porque é aquela em que tenho trabalhado durante tantos anos. Quique identifica a sua cozinha como muito estética mas que também evoca emoções. Então, já há anos que reivindica isso, que se reconheça a gastronomia como mais uma arte. É essa a intenção do menu deste ano.
Melhor elogio que lhe tenham feito? Quando as pessoas desfrutam tanto como nós desfrutamos cozinhar, sabes? É isso que eu digo. Se as pessoas desfrutam com o que eu desfruto fazer, aí é quando eu fico feliz. No final, as pessoas ficam entusiasmadas, mesmo no restaurante, com alguns pratos. Sobretudo porque eu gosto tanto de fazer o que faço que se eu conseguir que as pessoas desfrutem tanto como eu desfruto de o fazer, bem, é isso que me deixa feliz.
Costuma reparar nas reações dos clientes? Às vezes sim, quando saímos para a sala porque temos de terminar um prato em sala ou também para cumprimentar os clientes. Quando o Quique não está, tenho de sair para cumprimentar os clientes. E, bem, transmitem-te que gostaram e que se emocionaram. Houve um cliente que nos pediu para retirarmos o prato porque não conseguia comer porque estava muito emocionado. Fizemos-lhe outra coisa.
Pessoa mais famosa para quem já cozinhou? Pois, não sei. É que vem muita gente importante ao restaurante e muita gente famosa. Mas, o Alejandro Sanz, que é amigo do Quique, e já cozinhamos muitas vezes para ele. É uma pessoa super agradável, educada e simpática, e vem ao restaurante bastantes vezes.
Alguém para quem gostava de cozinhar? O meu pai ainda não veio ao restaurante. Eles já vieram visitar-me e a minha mãe veio comer ao restaurante mas não fui eu quem cozinhou, eu fui comer com ela. Mas quero. Este ano vêm os meus pais e quero cozinhar para eles. É isso que me falta.
O que faz quando está de férias? Comer.
É a sua atividade favorita? Sim, e cozinhar para os meus amigos.
Quando tem visitas em casa, o que é que costuma cozinhar? Ui! Sobretudo comida mexicana. Faço guisados, arrozes, um pouco de tudo. Depende do dia.
E sobremesa favorita? É uma folha de figueira, é a minha sobremesa favorita. O meu avô, quando eu era pequena, fazia sempre. Tinha uma figueira em casa e fazia-nos figos com queijo, mel e nozes. É o refinamento desse doce.
"Agora há uma revolução para uma mudança. Para que haja mais humanidade, uma escola melhor para ensinar as pessoas. E acho que se está a fazer um muito bom trabalho. Acredito que as pessoas mudaram o chip. Chegou a nossa vez de mudar a nossa forma de trabalhar, para melhor."
Chef Carolina Alvaréz
O maior erro que já cometeu na cozinha? Acho que quando começas a aprender passas o ponto do arroz, numa paelha grande. Quando comecei a cozinhar, fiz uma paelha grande e o arroz passou. O meu chef disse que não prestava e que tinha de fazer de novo.
Como é a sua geração de cozinheiros? Eu tenho 36 anos, quase 19 anos da minha vida a trabalhar em cozinha. Tive de viver o que era a velha escola da cozinha, que era muito dura, demasiado exigente. E agora há uma revolução para uma mudança. Para que haja mais humanidade, uma escola melhor para ensinar as pessoas. E acho que se está a fazer um muito bom trabalho. Acredito que as pessoas mudaram o chip. E também chegou a nossa vez de mudar a nossa forma de trabalhar, para melhor. Ou seja, para que haja uma boa qualidade de vida e uma boa qualidade de trabalho. Que andem de mãos dadas, o que não é impossível. Porque antes havia a impressão de que na alta cozinha se vivia no restaurante. E acho que já não é assim. Quando se tem de trabalhar, tem de se trabalhar, mas quando se tem de descansar também se tem de descansar.
A saúde mental nas cozinhas também é um tema cada vez mais abordado. Sim. Saber como tratar as pessoas, como falar com elas, como te dirigires. Eu acho que o meu trabalho principal no restaurante é lidar com as pessoas, ensiná-las. Antes era repreendida. Fazias algo de errado e repreendiam-te. Nem sequer sabíamos o que tínhamos feito de errado e éramos repreendidos. E não sabias como resolver o problema. Não, agora quando tu erras explicam-te porque é que não está certo então as pessoas compreendem e não voltam a fazê-lo. Ou é difícil voltar a fazer mal, percebes? Isso tem ajudado muito. As pessoas sentem-se felizes no seu trabalho. Fazem as coisas com entusiasmo. E fazem um trabalho de qualidade. Por isso, a nova geração de cozinheiros, acho que estamos a lutar pela mudança. Para que haja boa qualidade. Em tudo. Na vida, no trabalho, em tudo.

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
Há algum conselho que costuma dar às jovens chefs? Que o único limite que impomos para nós próprias somos nós mesmas. Então, é não ter medo. Ser valentes. As mulheres são muito valentes, somos muito ousadas. É difícil para nós darmos o salto mas, quando o fazemos, saltamos, sabes? Por isso, não devemos ter medo de dar o salto. Porque, no final, acho que não sabemos a capacidade que temos. Porque muitas vezes não nos damos o valor, até que alguém dê, não acreditamos que somos capazes. E acho que temos de ser mais ousadas. Sim.
Onde se vê daqui a cinco ou dez anos? Numa cozinha. A continuar apaixonada por este mundo da gastronomia. Porque ao final é o que faz com que façamos as coisas bem, o seguir apaixonados por isto. Ou seja, eu tenho a sorte de ganhar a vida com o que gosto. Por isso, dentro de 10 anos, quero ver-me igual. A seguir feliz e a desfrutar isto que é o que me apaixona.
observador